Apesar de surdas,
as portas falam pelos cotovelos,
que, no caso delas,
são as dobradiças
quando estas não se encontram amordaçadas
por algum tipo geralmente incomestível de azeite,
e falam numa linguagem seca e rangedora
que só as janelas ou os poetas entendem...
Uma porta entreaberta me fala principalmente
de você, minha costela reencontrada,
a me esperar, ou então de sua ausência
quando chego mais cedo do trabalho
e ela se encontra fechada, e você, Fabiane,
ainda está a se arrumar como se eu já não a achasse,
ao natural, a mulher mais linda e deslumbrante
do mundo logo de manhã bem cedo,
entre a seda dos lençóis manchados de amor,
com os cabelos despenteados, o rosto resplendente
e os cantos dos olhos, sorridentes, cheios de ouro,
do ouro que a vulgaridade sem poesia
dos incautos denominam de ramela...
(Assim como as paredes têm ouvidos
e também adquiriram uns olhos
invisíveis, olhos estes
que antes da urbanização
desenfreada do mundo,
eram de propriedade apenas do mato
- lembrem-se do ditado que diz: "Mato têm olhos"
e as orelhas se encostam, indiscretas, à parede...
Do mesmo modo, as portas são a boca da casa
e, ainda que amordaçadas
por algum lubrificante, ceceam ao ser abertas...)
Não está escrito, mas, decerto,
a porta melancólica da decrépta
casa de Roderick devia ranger
anunciando a quem soubesse ouvir
(Pöe, por exemplo, sabia)
que depois da visita premonitória do corvo,
a família Usher ia cair...
19/12/07
joselindomarcabraldacosta@yahoo.com.br