Para Sigmar Montemor
Autodenomino-me "escritor amador"
porque não vivo financeiramente
do que escrevo
e também por causa da relação dúbia,
de amor e ódio,
mais de amor do que de ódio,
que os meus escritos
mantêm comigo...
E é só...
No mais, eu me comporto,
quando estou dando forma a um texto,
com um profissionalismo tão acurado
que nunca jamais chego a confundir
uma simples e medíocre lembrança
de família com aquelas recordações mortuárias
("Ah, essas recordações me matam...")
de fatos que embora tenham acontecido comigo,
quando os transformo em escrita
adquirem o estranho e mágico poder
de chamar a atenção dos olhos ensimesmados
dos outros,
desviando-os, ainda que temporariamente
dos seus próprios umbigos,
umbigos estes que eles tratam como se fossem
o núcleo do mundo,
embora a bem da verdade não sejam sequer
o núcleo de si mesmos...
O centro das pessoas, inclusive
das que disto não sabem,
não é o umbigo, muito menos a genitália,
nem o coração, mas a linguagem, ah!, a linguagem
esta embarcação que ao menor sinal de emoção
se põe em movimento e se desloca
mar acima, mar abaixo, mar adentro
numas viagens em águas veementes
de oceanos que rugem de tormento
e espumam de raiva,
viagens estas das quais eu - marinheiro
viajadíssimo - sempre volto mais rico
ou menos inexperiente no manejo
dessa arma comestível e polivalente
que os leigos
apelidaram de conhecimento
mas eu denomino poeticamente
de matéria sobrinha da inspiração
ou prima da massa (um misto de pedaços
metafóricos de fígado, cinza de neurônios
e certas substâncias secretas)
de que os poemas são feitos carinhosamente à mão...
joselindomarcabraldacosta@yahoo.com.br
26/06/2006